O presente artigo visa abordar os aspectos relacionados ao fornecimento de serviços públicos essenciais, conceituando serviço público, trazendo o rol de serviços públicos essenciais e tratando das hipóteses de interrupção legal e ilegal desses serviços. Abordaremos também a responsabilidade civil das concessionárias responsáveis pela execução desses serviços, assim como a responsabilidade do Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e/ou Municípios), diante do corte ilegal do fornecimento.
Não se pretende, por meio deste artigo, esgotar todo o tema mas trazer aspectos gerais e práticos, bem como informações relevantes para os usuários desses serviços, a fim de que possam resguardar seus direitos não apenas como consumidores mas como cidadãos e usuários do serviço público.
Introdução
A Lei nº 8.987/1995 dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços públicos, em observância ao que estabelece o artigo 175 da Constituição Federal que atribui ao Poder Público o dever de prestar, diretamente ou através de concessão, os serviços públicos.
Preliminarmente, é importante esclarecer que concessão pública nada mais é do que do que o contrato firmado entre o Poder Público (denominado concedente) e a empresa privada (denominada concessionária) para a execução de serviços públicos.
Essa contratação se dá mediante procedimento licitatório, que consiste num conjunto de atos prévios à celebração do contrato, objetivando a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública; o atendimento ao princípio constitucional da isonomia, que visa garantir a igualdade de condições a todos aqueles interessados em contratar com o Poder Público; e o desenvolvimento nacional sustentável.
Em suma, a administração pública, por lidar com recursos públicos, não pode, em regra, escolher livremente com quem contratar, isto é, agir discricionariamente. Desse modo, surgindo a necessidade da Administração adquirir bens, contratar serviços, alienar (vender) e realizar locações, deve-se valer de um procedimento público, igualitário, que oportunize a participação de todos os possíveis interessados e observe critérios objetivos de julgamento. A esse procedimento denominamos licitação.
Esclarecidos esses pontos, trataremos da interrupção do fornecimento de serviços públicos essenciais.
Abordaremos a temática de modo geral, considerado os diversos serviços públicos enquadrados como essenciais, todavia, dando enfoque, em alguns pontos, ao fornecimento de energia elétrica assim como ao abastecimento de água e tratamento de esgoto, tendo em vista que são serviços comumente utilizados pela população e não raras vezes podemos acompanhar situações de irregularidade envolvendo esses serviços.
Mas afinal, o que é serviço público?
Basicamente, são serviços prestados pelo Poder Público, direcionados a atender às necessidades da população e que devem estar disponíveis a todas as pessoas, independente da condição social, econômica, intelectual, psíquica ou qualquer outra forma de distinção. São serviços que se prestam a todos os indivíduos, ainda que não sejam prestados de forma direta pelo Poder Público.
Tratam-se, portanto, de serviços básicos essenciais prestados pelo Poder Público, diretamente, ou através de terceiros contratados mediante procedimento licitatório para a concessão desses serviços; são as chamadas concessionárias de serviços públicos. O artigo 6º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor estabelece, como direito básico do consumidor, a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos.
Nesse ponto, destaco que existe divergência entre os estudiosos do tema (doutrinadores) acerca da natureza do serviço público. A discussão gira em torno do questionamento acerca do seguinte: “todo o serviço público seria serviço de consumo”. Desde já ressalto que não iremos nos aprofundar nessa discussão mas, de antemão, cumpre revelar que o entendimento que prevalece atualmente é no sentido de que apenas os serviços públicos denominados uti singuli, isto é, individuais, desde que remunerados por tarifas, são considerados serviços de consumo e, por conseguinte, regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Mas qual a vantagem em ser regido pelo CDC?
Destaque-se como uma das principais vantagens trazidas pela utilização do CDC o equilíbrio nas relações de consumo considerando que o fornecedor é econômica e financeiramente mais forte face ao consumidor, que é hipossuficiente.
Quando falamos em hipossuficiência, estamos nos referindo não ao poder aquisitivo do consumidor, mas ao reconhecimento da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, sendo um dos meios de facilitação da defesa. Isto porque, em regra, incumbe ao autor da ação provar o que alega. Todavia, comumente o consumidor não dispõe das informações necessárias para provar o que alega, cabendo, então, ao fornecedor esse ônus de provar.
A vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é reconhecida pelo artigo 4º, inciso I, do CDC. Trata-se, então, de um reconhecimento a todos os consumidores. Diferentemente do que ocorre com a hipossuficiência.
Essa vulnerabilidade se dá em razão do fornecedor deter grande parte das informações relativas à produção e às características dos produtos e serviços inseridos no mercado (vulnerabilidade técnica); também por que é ele quem detém o poder econômico, no sistema capitalista em que vivemos (vulnerabilidade econômica); por possuírem corpo jurídico especializado para defender suas demanda na esfera judicial e/ou extrajudicial, ao contrário do que normalmente acontece com os consumidores que, normalmente, não possuem conhecimentos jurídicos (vulnerabilidade jurídica);;além do fato de que inúmeras vezes é o fornecedor quem estabelece as regras contratuais, o que ocorre por meio de contratos de adesão, através dos quais as cláusulas são unilateralmente determinadas pelo fornecedor, sem a possibilidade de discussão pelo consumidor, cabendo a este apenas aceitar as condições preestabelecidas pelo fornecedor.
Porém quais são os serviços públicos essenciais?
Podemos exemplificar como serviço público essencial, o abastecimento de água, o fornecimento de energia elétrica, o serviço de esgotamento sanitário, telefonia, transporte coletivo, dentre outros.
Serviços públicos essenciais são aqueles fundamentais à coletividade, tais como aquelas atividades prestadas nos ambientes escolares, em delegacias e hospitais.
Isso porque a supremacia do interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado, razão pela qual incumbe ao Estado (quando falar em Estado estarei me referindo ao Poder Público) a prestação desses serviços. Dessa supremacia decorre a presunção de que os atos praticados pela Administração são legais, assim como a possibilidade de desapropriação de bens privados, além de outras prerrogativas (temas para discutirmos em outros artigos).
Por fim, importante evidenciar que, a Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989), em seu artigo 10, considera serviços ou atividades essenciais (nem todos prestados pelo Estado), indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da população, os seguintes:
I. tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II. assistência médica e hospitalar;
III. distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV. funerários;
V. transporte coletiv;
VI. captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII. telecomunicações;
VIII. guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX. processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X. controle de tráfego aéreo;
XI. compensação bancária.
Quando é legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais?
Em regra, os serviços públicos essenciais não podem sofrer solução de continuidade, isto é, a prestação deve se dar de forma contínua, sem interrupção, em respeito ao princípio da continuidade (ou da permanência), haja vista serem indispensáveis para a população.
A interrupção pode ocasionar prejuízos de ordem irreparável ao consumidor, usuário do serviço público.
No entanto, em situações excepcionais pode haver o corte no fornecimento desses serviços. Na próxima parte traremos um quadro contendo as hipóteses em que esse corte é legítimo.
Em regra, os serviços públicos essenciais não podem sofrer solução de continuidade, isto é, a prestação deve se dar de forma contínua, sem interrupção, em respeito ao princípio da continuidade (ou da permanência), haja vista serem indispensáveis para a população.
A interrupção pode ocasionar prejuízos de ordem irreparável ao consumidor, usuário do serviço público. No entanto, em situações excepcionais pode haver o corte no fornecimento desses serviços. Abaixo trago um quadro contendo as hipóteses em que esse corte é legítimo, vejamos:

Ainda que, sendo legítimo o corte, a concessionária (empresa responsável pela prestação do serviço), deverá, no momento do corte, oferecer a opção de pagamento do débito.
Além disso, é legítimo o corte quando inadimplente pessoa jurídica de direito público, desde que precedido de notificação e a interrupção não atinja as unidades que prestam serviços indispensáveis à população.
E quando o corte no fornecimento de energia elétrica não é legítimo?

A interrupção pode ocorrer aos finais de semana?
De acordo com o que estabelece a Lei nº 14.015, de 15 de junho de 2020, que dispõe sobre a interrupção, a religação e o restabelecimento de serviços públicos, deve haver prévia comunicação ao consumidor de que o serviço será desligado.
Além disso, deve-se informar o dia a partir do qual será realizado o desligamento.
A Lei nº 14.015/2020 incluiu parágrafo 4º do artigo 3º da Lei nº 8.987/1995 dispondo que, na hipótese de inadimplemento do usuário, a interrupção do serviço não poderá se iniciar na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em dia anterior a feriado.
Essas medidas visam respeitar o princípio da não surpresa, concedendo ao consumidor a oportunidade de purgar a mora (quitar a dívida).
Pode ser cobrada taxa de religação?
A taxa de religação não será devida se houver o descumprimento do prévio aviso ao consumidor, na hipótese de inadimplemento, o que enseja, ainda, a aplicação de multa à concessionária. É o que preconiza o parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 13.460/2017, incluído pela Lei nº 14.015/2020.
E durante a pandemia ocasionada pelo coronavírus. Pode haver corte de energia elétrica?
Atualmente o mundo enfrenta uma pandemia ocasionada pelo coronavírus, o que tem devastado países e provocado perdas irreparáveis tanto nas famílias quanto na economia.
Diversos órgãos, entidades e representantes da sociedade civil têm adotado medidas para minimizar os impactos dessa pandemia e evitar um colapso na saúde pública.
Assim, uma das medidas de suma relevância consiste na higienização. Para tanto, há serviços públicos essenciais que não podem ser interrompidos, sobretudo neste período, a exemplo do abastecimento e tratamento de água e esgoto, a coleta de lixo e a energia elétrica.
Esses serviços são indispensáveis ao atendimento das necessidades básicas da população, e sua interrupção colocará em risco a saúde e a vida de milhares de indivíduos.
Por meio do Decreto nº 10.282 de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e define os serviços públicos e as atividades essenciais (O Decreto pode ser acessado através do link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm).
Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) editou a Resolução 878/2020 por meio da qual manteve a proibição do corte de energia por falta de pagamento a consumidores classificados como Baixa Renda, enquanto perdurar o estado de emergência provocado pela COVID-19.
Quanto aos demais consumidores inadimplentes, é necessário prévio aviso com antecedência mínima de 15 dias antes da realização do corte.+
Quem responde pelos prejuízos causados?
O artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal determina a responsabilidade objetiva do Poder Público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público, inserindo-se, nesse último caso, as concessionárias de serviço público. Por responsabilidade objetiva, significa dizer que demonstrada a conduta (lícita ou ilícita), o dano e a relação entre a conduta e o dano (nexo causal ou nexo de causalidade), haverá a responsabilização, independente da verificação de dolo ou culpa.
Aliado a isso, o artigo 25, da Lei nº 8.987/1995 preconiza que à concessionária cabe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente (Poder Público), aos usuários (consumidores) ou a terceiros.
Dessa forma, a concessionária, ao assumir o serviço, assume também o risco da atividade e responde de forma objetiva por eventuais danos causados, de modo que o Poder Público concedente responde de forma subsidiária (secundária, suplementar), ou seja, há uma ordem de cobrança, de forma que o Estado só pode ser cobrado após o devedor principal (a concessionária) não arcar com a dívida.
Considerações finais
Não raramente as concessionárias de serviço público, valendo-se da falta de conhecimento do cidadão acerca dos seus direitos, age de forma ilegítima e arbitrária quando realiza a interrupção de serviços públicos essenciais como forma de compelir o consumidor a quitar a dívida ao invés de utilizar outros outros mecanismos de cobrança disponíveis. Agindo assim, essas concessionárias expõem os consumidores a atos desumanos, violando direitos fundamentais dos usuários, além de, muitas vezes, expor os indivíduos ao ridículo.
Cabe, portanto, às concessionárias, a prestação do serviço público adequado.
No entanto, deve-se observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para aferir os transtornos sofridos pelo consumidor. A banalização do dano moral (tema também para outros artigos) tem sido crescente de modo que muitas demandas, sem amparo jurídico, propostas meramente com o objetivo de enriquecimento, têm sido rechaçadas pelo Poder Judiciário justamente por violação dos direitos da pessoa a que se propõe a ação.
Nesse ponto, ressalto que as soluções consensuais são as mais indicadas à solução da controvérsia, sendo instrumentos hábeis a reparar o dano e inibir o cometimento de novas práticas abusivas por parte tanto do Poder Público quanto das concessionárias de serviço público, consistindo em uma das formas de acesso à justiça. Inclusive, um dos direitos básicos consagrados pelo CDC (artigo 6º, inciso VII), consiste no acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais.
Por fim, destaco a importância em procurar um (a) Advogado (a), que irá prestar uma consultoria jurídica especializada com vistas a obter a solução mais adequada ao caso concreto.
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